Fernando Tordo encanta em espectáculo cheio de história(s)
Casino Estoril
Fernando Tordo, um dos grandes músicos e compositores portugueses, subiu na passada sexta-feira, 28 de maio, ao palco do Auditório do Casino Estoril para mais um grande concerto, desta feita o espetáculo “Ary dos Santos: As histórias das Canções”.
Como não podia deixar de ser, dois grandes músicos acompanharam Fernando Tordo, Valter Rolo ao piano e Lino Guerreiro no saxofone.
Fernando Tordo contou-nos a história da sua vida, o nascer da sua amizade com Ary dos Santos, recordou que moravam ambos no mesmo prédio, à Rua da Saudade, n.º 23, Ary no r/c. e Tordo nas águas furtadas. A casa de Ary tinha uma bela vista, onde se via um mundo novo só para ele, um sofá grande numa sala grande. O artista recria, no palco do Auditório, a sala onde se criaram muitas das letras e músicas que cantou.
Ao abrir esta noite de histórias, o cantor relembrou um poema escrito por Ary dos Santos entre 1962/63 “O meu é teu”.
Recordou que quando nasceram os seus filhos, João e Joana, Ary que adorava os miúdos entendeu que era giro fazerem uma canção para as crianças, e canta “Balada para Os nossos filhos”, canção que já tem 43 anos.
Relatou que, ao contrário do que as pessoas pensam, primeiro nasceram as músicas, compostas por si, e eram sobre estas músicas que depois Ary escrevia as letras.
As canções “Novo Fado Alegre” e “Estrela da Tarde” estão intimamente ligadas, conta Tordo que a RTP organizou na altura o festival da canção tendo convidado ambos, Tordo e Ary, para fazerem as canções que Carlos do Carmo iria cantar, decidiram então fazer um fado, mas um fado diferente, um fado alegre e assim escrito numa noite nasce “Novo Fado Alegre‘, é nessa altura que Ary diz a Tordo que precisava que ele fizesse uma música para ele escrever muitas palavras, nesse mesmo dia ao almoço foram ambos almoçar e, falando de palavras que tivessem significado, tanto para um, como para outro, e Tordo refere a palavra “tarde”, ao que imediatamente Ary começa a escrever tapando o texto com a mão, justificando que era para que Tordo “não o copiasse” (risos) e em 40 minutos, dum momento para o outro criam “Estrela da Tarde”.
O artista confessa que “Ary e ele eram uma parceria, mais que isso eram família, almas gémeas, que perduram para a vida, e é essa parceria que facilita o trabalho”.
Homenageiam Jack Brell, com “Viva Brel”. Seguiu-se “Cavalo à Solta“.
Com a tristeza na voz canta “O Amigo que eu Canto“, última música que ambos fizeram juntos, para uma comédia musical protagonizada por Henrique Viana e o próprio Fernando Tordo. Antes tinha contado como a canção nascera: Ary estava zangado com ele, “porque eu tinha feito 114 espectáculos no norte do país, uma coisa de loucos, fiquei doente, tive que deixar de beber e de fumar, coisas que sempre havia feito com o poeta”. Eles estavam a escrever as músicas para uma comédia musical e Ary só resmungava. Tordo disse-lhe “olha lá só falta uma música, vamos lá acabar isto” entre resmungos Ary diz-lhe “falta só uma música, vou fazê-la à tua casa”. Tordo ficou admirado porque nunca Ary tinha proposto escrever na casa dele. Em sua casa, Fernando Tordo tinha um móvel lindo, que se abria e fazia uma mesa muito bonita, branca, Ary sentou-se à mesa, Tordo disse-lhe que fizesse letra baseada no final de um livro do Eça de Queiroz em que dois personagens conversam um com o outro e revelam o que estão a conversar. Então começou a cantar a música e o Ary começou a escrever a letra no papel, mas estava “tão carregado” que passava o papel e continuava a escrever em cima da mesa, Tordo diz-lhe “Então Ary”, “Qué que foi?” respondeu, “Estás a escrever em cima da mesa, fora do papel, como é que a gente faz? dobrar o papel é fácil mas dobrar a mesa é complicado”. Foi dentro deste ambiente que ambos fizeram a última canção. O outro lado desta história é mais anedótico, confessa Tordo que apesar do “carregamento” com que Ary pudesse estar, a sua cabeça era completamente lúcida quando se tratava de compor as suas canções.
Anos mais tarde, após a morte de Ary dos Santos, Carlos do Carmo foi ter com Fernando Tordo e levou-lhe um poema que Ary havia escrito, poema esse onde o poeta falava objectivamente sobre a morte, da sua anunciada morte. O poeta já havia escrito isto num livro, do qual sempre negou ser autor, cujo título é “Passas“. Carlos do Carmo pediu-lhe para musicar o poema, coisa que Tordo fez com bastante facilidade, porque, revela, “não me custa nada criar música, costumo dizer que nunca trabalhei na vida”.
E é assim que dedicada à memória de Ary dos Santos canta “Sonata de Outono“.
Logo após o 25 de Abril, o cantor faz canções “como quem faz o telejornal”. Nessa altura vivia no 5.º andar. Certo dia chegou a casa e estava a dar na rádio uma notícia sobre a fuga de 89 Pides da Prisão de Alcoentre, coisa que incomodou muita gente pela ameaça que representava. Uns lutavam pela Liberdade que não é muita coisa, mas é alguma, e aquilo marcou-me muito, decidi fazer uma chalaça qualquer. Depois de fazer a música liguei ao Fontes Rocha, músico e fomos para um atelier em Campo Ourique, discutindo a letra e música, andávamos às voltas pois faltava qualquer coisa, já estava chateado com aquilo disse “que merda”, tendo os outros dito “mesmo isso” e a expressão entrou na letra da canção.
A gravação da música foi feita no Porto porque as fábricas em Lisboa estavam todas fechadas. Assim foi um amigo num carro muito veloz, um Renault 4 (risos e gargalhadas do público) que levou a música para cima, e de madrugada ligou a dizer que já tinha 100 exemplares. Foi assim que nasceu o “Fado de Alcoentre”
A terminar referiu que no ano de 1972 tinha cantado no Festival da Canção e ficou em último lugar (risos), isto já acontecia desde 1969, ora ficava em quinto, ora em último, mas ele lá queria saber, o que importava era apresentar as canções e o Festival da Canção era o único modo para isso. Então ele e o Ary fizeram quatro canções, enviaram-nas e foram todas aprovadas.
Ainda hoje perguntam o que aconteceu, como foi, quem deixou, a censura, ele não quer saber disso para nada, só sabe como a canção foi feita.
É isto que vai deixar para nós, público, com um grande agradecimento.
Antes de cantar a sua última música, agradece a presença de todos , referindo que “a vossa presença aqui é uma grande ajuda, a presença de todos nós, uns com os outros, é uma ajuda fantástica para a gente tratar das nossas maleitas, as físicas e as mentais. Temos que nos encontrar para não nos perdermos. A vossa presença aqui só ao nível da adrenalina que vai descarregando, fez com que eu estivesse aqui durante este tempo a cantar para vocês.
Que mais posso eu fazer senão agradecer a vocês, como agradeço aos médicos que me tiraram das portas da morte?. Mais Nada.
Esta que fica aqui é a tal canção que quando vamos cantar a algum sítio, e ensaiamos 14 canções, há um “tipo” que logo que entramos grita “Ó Tordo canta lá a Tourada”, ou seja bastava ensaiar a Tourada e já estava”.
Concerto magnífico em que Fernando Tordo recordou músicas intemporais, músicas que ainda hoje todos cantam, músicas com história e para a história.
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