Com a livre circulação de pessoas na União Europeia (UE), ocorrem milhares de sucessões internacionais todos os anos, incluindo indivíduos com ativos em diferentes Estados-Membros. Nessas situações, é comum que a lei de sucessão conceda aos herdeiros direitos sobre propriedades desconhecidas pela legislação do país em que as coisas estão localizadas.
Portanto, é necessário fazer uma adaptação, convertendo os direitos de propriedade nas figuras mais próximas do sistema jurídico do país em que estão localizados. Trata-se de uma operação altamente complexa, pois exige o conhecimento dos sistemas jurídicos dos vários Estados-Membros da União Europeia.
Facilitar a adaptação das autoridades que, em cada Estado-Membro, são responsáveis pela sucessão (tribunais, advogados, notários, conservadores, solicitadores, etc.) é precisamente o objetivo de um projeto europeu, liderado por Afonso Patrão, do Instituto Superior de Direito de Direito da Universidade de Coimbra (DDF), que acaba de obter financiamento da Comissão Europeia no âmbito do “Programa Justiça – JUST-JCOO-AG-2020”, no valor de 227 mil euros.
Sucessão significa a transferência, por morte, da herança – direitos e obrigações do falecido. Esses direitos podem ser de propriedade, mas também outros poderes sobre as coisas, que nem sempre são equivalentes nos sistemas jurídicos de diferentes países (usufruto; direito da habitação; direito de superfície; confiança).
Na primeira fase do projecto, com a participação de investigadores das universidades de Valência (Espanha), Génova (Itália), Heidelberg (Alemanha) e Uppsala (Suécia), será realizado um inquérito “aos diversos direitos reais em bens imóveis que as legislações dos Estados-Membros atribuem sucessivamente, procurando descrever estes direitos num formato uniforme, em inglês, explicando as linhas gerais desses direitos (poderes do titular; duração; transferibilidade; oposição a terceiros; etc.)” , explica o líder do estudo.
A partir desta descrição detalhada, os cientistas irão então estabelecer correspondências, isto é, “procurar ajudar as autoridades responsáveis pela sucessão a encontrarem o direito mais próximo, no Estado-Membro de localização do bem, do que a lei que rege a sucessão, por meio de plataforma de computador”, afirma Afonso Patrão.
Para entender a complexidade do trabalho que os cientistas têm pela frente, o professor do DDF também usa um exemplo prático: “no caso de morte de um cidadão irlandês residente na Irlanda, é a lei irlandesa que regulará a sucessão, e portanto, cederá os direitos sobre os bens do falecido, designando os beneficiários (filhos, cônjuge, etc.) e os direitos que se aplicam a esses bens. Pode acontecer que esta lei (neste caso, a irlandesa) conceda um direito sobre uma coisa – um terreno, uma casa, etc. – a quem se encontra noutro Estado-Membro da União Europeia onde esse direito não é conhecido”.
«A lei irlandesa pode estabelecer que a criança recebe um trust sobre uma propriedade que se encontra em Portugal, por exemplo, uma casa no Algarve. Isso é um problema porque a lei que regula os direitos de propriedade será a lei do país onde os edifícios estão localizados, e essa lei não prevê o conceito de trust ”, continua.
“É um problema difícil e que requer adaptação. O projecto visa facilitar esta operação, como sugere o título do projecto – EU-ADAPT – Adaptação dos direitos reais nas sucessões transfronteiriças na UE”, acrescenta a investigadora.
Numa fase posterior do “EU-ADAPT”, com a duração de vinte meses, pretende-se criar um sistema de correspondência que permita a identificação do direito de outro Estado-Membro mais próximo do que lhe é atribuído pelo direito regulamentar das sucessões . Aberto, existe a possibilidade de a plataforma ser integrada no portal de justiça eletrónica da Comissão Europeia ou disponibilizada às atuais redes de cooperação existentes na UE, para que possam incluir esta funcionalidade.
Este instrumento insere-se precisamente na cooperação judiciária civil – na cooperação das autoridades dos Estados-Membros – procurando sugerir, na adaptação dos direitos reais, a figura jurídica mais próxima do país onde se encontra o bem.
O especialista do DDF indica ainda que o Regulamento da Sucessão Europeia, aprovado em 2012, oferece critérios para a adaptação de direitos reais, embora a sua dificuldade tenha sido imediatamente assinalada pela União Europeia, que alertou para a necessidade de utilizar redes de colaboração entre os Estados-Membros na área de Justiça para a sua simplificação. “É a este desafio que queremos responder”, finaliza Afonso Patrão.